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Psicanálise e Educação:
Um olhar sobre a criança/consumidora e a escola nos dias atuais.

Leandro Alves Rodrigues dos Santos

O que, afinal, é hoje uma criança? Essa pergunta, aparentemente simples, torna-se complexa quando nos propomos a respondê-la, especialmente quando sabemos que o conceito de infância – e o significante que a representa, criança – é algo historicamente construído, como nos mostra Phillipe Ariès (1997), em seu clássico "História Social da Criança e da Família".

Portanto, precisamos estar atentos quando nos arriscamos a falar de criança, ou do infantil, pois se trata de um campo onde vários aspectos e enfoques se entrelaçam na formatação de um discurso social sobre o infante.

Em que mundo vive uma criança hoje? Certamente diferente do mundo em que viviam seus pais, quando crianças. É só comparar uma frase corriqueira, que ouvimos em profusão nos dias atuais, que seria impensável alguns anos atrás:

- Mas ele tem de tudo!

Até algumas décadas atrás, a criança deveria lidar com o não ter, com a impossibilidade, com o adiamento da satisfação de seu prazer, em outras palavras com uma falta. E os pais dessa criança, por sua vez, deveriam suportar essa falta da criança, mesmo que isso tocasse em suas próprias faltas, afinal não podemos esquecer de que a criança toca na criança que temos... dentro de nós.

Nos tempos atuais, de globalização, está havendo a sedimentação de um sistema econômico que afeta a todos, que permeia as relações, que cria necessidades imaginárias, que fomenta desejos que alienam o sujeito. E o pior, um sistema que se retroalimenta a partir da consecução de um primeiro desejo supostamente satisfeito, que pede uma substituição rápida por um outro objeto que tampone esse desejo, e assim continuamente. Algo facilmente observável nos pequenos gadgets que imperam no imaginário infantil, de tempos em tempos.

Onde andarão os tamagochis? Em algum cemitério virtual? As maternidades andam repletas de Digimons, Pokemons, etc. Estará sendo gestado mais algum símbolo de satisfação narcísica das crianças? Os próximos meses dirão...

Estranhamente, esse fenômeno ocorre em todas as classes sociais, pois a criança rica compra o bonequinho importado, num atraente shopping center, enquanto a criança pobre, uma falsificação de algum país oriental, por R$ 1,99 nos camelôs facilmente encontráveis a cada esquina. Afinal, o que importa é ver uma criança feliz! Alguém precisa estar sempre feliz.

Partindo desse raciocínio, chegamos na escola, instituição que outrora não se importava com a felicidade total e irrestrita de seus alunos, mas sim com a retidão de caráter, com bons modos, enfim com a missão de tornar uma criança educada, como se na época só aquele que chegasse na escola, uma pequena elite, diga-se de passagem, pudesse ser considerado um cidadão de bem, afortunadamente um doutor, ou um engenheiro, ou ainda um advogado.

Mas, e hoje, como estão as escolas em nossa sociedade? As escolas particulares estão se tornando mais e mais balcão de apostas para os pais, reais consumidores da oferta escolar. Afinal, se matriculo meu filho nessa escola, há uma possibilidade grande de ele vir a ser o que eu não fui, ter o que eu não tive, enfim continuar o estado de felicidade infantil para o estado adulto de felicidade, chegamos ao Nirvana! Que ótimo legado para os filhos.

Já na escola pública, o cenário é diferente, os consumidores do produto escolar são muito mais os organismos econômicos internacionais que exigem estatísticas favoráveis, em termos de analfabetismo, evasão, paridade idade-série e outros aspectos que os números atualmente mascaram tão bem. Não é possível afirmar se nesse caso as crianças estão felizes. Ou ainda seus pais...

Mas, analogamente aos brinquedinhos importados e falsificados, há também nas escolas das duas classes sociais, algumas coincidências, que são notadas no discurso (psico)pedagógico dominante, termo cunhado brilhantemente por Leandro de Lajonquière (1999), que abarca um certo furor em "formar" crianças, felizes, sábias, competentes, que não nos envergonhem frente aos computadores, com pleno desenvolvimento de seu potencial cognitvo, intelectual e afetivo. Sem falhas, percalços ou vicissitudes, palavra tão cara aos psicanalistas!

Ora, sabemos que todo laço social está sujeito ao imponderável, não há nenhuma garantia prévia de felicidade plena, inclusive para as crianças. Quando alguma intercorrência desse naipe acontece; quem é procurado? O profissional "psi", que com seu saber, supostamente restituiria o potencial atravancado dessa criança in-feliz. Ou ainda, se possível, devolveria o brilho nos olhinhos, que tanto satisfaz aos adultos, aos pais e aos professores, que cada qual a seu tempo e ao seu modo, envolve a criança.

Aqui entra o psicanalista, ele também é considerado um profissional "psi", sendo igualado ao psicólogo - em alguns casos aos psiquiatras - e até mesmo aos psicopedagogos, profissionais que se orientam por outras concepções de mundo e de sujeito, o que certamente os separam do psicanalista, que lança um olhar e uma escuta para um aspecto ímpar, o da subjetividade do sujeito.

Portanto, é preciso pensar como essa subjetividade, singular e única de cada sujeito, imbrica-se com esse discurso social dominante, que no caso da criança, a coloca num lugar de gozo constante, sem direito à contestação!

E claro, muitas vezes essas contestação vem à tona por meio de um sintoma, passível de investigação referencial psicanalítico, a partir da prática clínica. Mas, ouvimos batidas na porta de nosso consultório, de adultos que se queixam de suas crianças, de adultos que se queixam de escolas que se queixam de suas crianças, o que se diferencia fenomênicamente das demandas que batiam às portas dos primeiros psicanalistas de crianças (Melanie Klein, Anna Freud, etc), talvez nos obrigando a repensar nossas intervenções, nossas estratégias e, principalmente, nossa postura ética com o sujeito que conosco está no consultório, a criança.

Mas, também, repensar se não podemos ampliar nosso campo de ação, elegendo como vértices de investigação os pais, o professor e até mesmo a escola, representantes desse discurso que se agiganta, mesmo que para essa empreitada nos sintamos como Davi frente ao seu Golias particular, afinal, psicanalistas sempre se defrontaram com gigantescas dificuldades, nesses últimos cem anos. Como ciência, ainda somos crianças, mas diferentemente da criança/consumidora que não pode sofrer, nós já podemos lidar com nossas questões e angústias.


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