Voltar a la página principal de PsicoMundo Brasil
Resenha de livros e revistas

NASIO, Juan-David .
O Prazer de Ler Freud
.
Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.,1999,112 p.

Leandro Alves Rodrigues dos Santos
leandro.psi@uol.com.br

"O que me encanta ao ler Freud,
quando o compreendo, é sua força,
sua loucura, sua força louca e genial
de querer explicar qual é a fonte íntima
que nos anima, a nós humanos.

O prazer de ler Freud é descobrir que,
para além das palavras, é de nós
que ele está falando."

É assim que Juan David-Nasio começa esse livro, expondo nessa frase a relação que tem com um pensador particularmente especial, Sigmund Freud, e com sua obra, que é fruto de décadas de trabalho árduo e de muita ousadia, pois ao escutar inicialmente as histéricas, e valorizar o que diziam , esse perspicaz investigador da alma humana, criou algo precioso, a Psicanálise.

E é disso que o autor trata, de uma apresentação da obra freudiana para o leitor, desde aquele que se inicia em um percurso na Psicanálise ou até mesmo um experimentado psicanalista que se vê retornando ao fundamental da teoria que alicerça sua prática.

Nasio, é um psicanalista argentino radicado na França, é contemporâneo de Jacques Lacan (inclusive participou de um seminário em 1979 ministrando uma conferência ) e autor de inúmeras obras, tais como "A Histeria", "Como trabalha um psicanalista?", ‘O Olhar em Psicanálise", Cinco lições sobre a teoria de Jacques Lacan", entre outras. Atualmente se dedica à prática clínica e leciona na Universidade Paris VII, além de se envolver constantemente com a transmissão da Psicanálise, como por exemplo em um evento no Rio de Janeiro ocorrido em 1999, onde em entrevista à revista Insight afirma que ..."o comentário dos ouvintes era de que as pessoas aplaudiam não somente o conteúdo do seminário, mas também a paixão que eu havia posto ao transmiti-lo. Eu gosto de transmitir e gosto do que transmito; a experiência da Psicanálise e a teoria psicanalítica."(Insight ano IX,n 100, outubro de 1999).

Esse aspecto pode ser notado em vários momentos na obra de Nasio, um certo posicionamento questionador e investigativo dos conceitos psicanalíticos, embasado pelo que observa em sua clínica. Isso seria uma atitude louvável entre os psicanalistas, pesquisar à partir de sua clínica, pois isso colaboraria imensamente com uma constante re-invenção da Psicanálise, além de proporcionar ao psicanalista uma apropriação crítica da teoria e de seu desenvolvimento, impedindo assim uma infértil repetição e mesmice da produção teórica.

Nasio tem uma característica peculiar; ainda que passe por temas densos e complexos, escreve fácil, o que é bastante diferente de simplificar as coisas, pois quando Freud escrevia seus textos, dialogava com interlocutores imaginários que demandavam compreensão de suas hipóteses, e nem por isso Freud tornava "acessível" seus escritos, mas mesmo assim qualquer leitor podia compreender minimamente as particularidades que nosso psiquismo pode apresentar. Portanto, transmitir a Psicanálise é uma tarefa que requer um constante diálogo com interlocutores que não são claramente identificáveis.

Ainda assim, o autor trafega com excepcional desenvoltura pelos conceitos freudianos, e principalmente, pela postura freudiana frente aos fenômenos, como quando por exemplo cita algo que vê em Freud, ..." seu desejo de identificar a origem do sofrimento do outro, servindo-se de seu próprio eu."(p.14) Talvez, todo aquele que se proponha a ocupar o lugar de psicanalista deveria iniciar pelo próprio sofrimento, ou em outras palavras, empreendendo a própria análise pessoal.

O desejo do autor, é que com esse livro, o leitor possa ter prazer ao ler Freud, .. "o prazer de pensar e de compreender o nosso funcionamento psíquico. "(p.15),e para isso ele destaca alguns conceitos fundamentais onde se fundam o edifício freudiano; o inconsciente, o recalcamento, a sexualidade, o complexo de Édipo, o eu-isso-supereu, a identificação e a transferência no tratamento analítico. E como falar "fácil" desses conceitos?

É aí que Nasio demonstra sua habilidade, com uma maestria notável em achar palavras que exprimam com clareza surpreendente aspectos que levamos algum tempo tentando compreender nos livros, nos clientes e em nós mesmos, quando podemos nos escutar. Destacaremos alguns que certamente ilustram nossa impressão, como por exemplo no caso do recalcamento em que faz uso de um recorte da sessão de um cliente que, ao volante, subitamente se viu assaltado pela imagem de uma velhinha sendo atropelada violentamente pelo seu carro, e essa idéia fixa o impedia de usar o carro (temos aqui um sintoma neurótico), mas que, na verdade, após o desenrolar do processo analítico se revelou uma representação inconsciente de um amor incestuoso pela mãe, que teve que ser recalcado e retornar sob a forma desse sintoma.

Ou ainda o exemplo da moça que tinha uma fobia por aranhas, mas que na verdade isso a remetia a um desejo proibido pelo pai, que tinha mãos ..aveludadas, como o dorso de uma aranha. Ambos mostram que Nasio segue os passos de Freud, pois este também recheava de exemplos do cotidiano e da clínica seus relatos, o que favorece um certo encantamento no leitor, que pode vislumbrar nos relatos alguma possibilidade de também escrever à partir de sua experiência pessoal., de se "contagiar" por esse entusiasmo na prática psicanalítica.

Já no conceito de sexualidade, o autor se debruça com afinco sobre aquilo que ele chama de "a premissa fundadora da Psicanálise", que mostra que nossos atos involuntários tem um sentido que nos escapa e que, porém nos baliza, mesmo que não saibamos. Obter prazer seria então o nosso objetivo primordial, e nessa tentativa, o outro ocupa um lugar especial, que supostamente nos garantiria a obtenção total desse prazer. Portanto nossos laços são efetivamente constituídos á partir disso.

Nesse capítulo, o autor ainda aponta para as múltiplas possibilidades de se obter prazer, com o corpo, com o outro, com fantasias, desde o bebê até a vida adulta, passando pelas diferenciações de necessidade(existência de um órgão/objeto concreto), desejo(expressão de pulsão sexual) e amor (apego ao outro de maneira global, sem o suporte de uma zona erógena definida), o que ajuda a desmistificar a idéia de que a Psicanálise só se ocupa de uma sexualidade "genital’, quase um pan-sexualismo caricato.

Nas instância psíquicas, que algumas vezes são ingenuamente compreendidas como coisas estanques, Nasio pontua que o isso seja a parte mais relevante a se tentar compreender quando nos aventuramos a esmiuçar o psiquismo humano, pois o eu é ..."um personagem ativo e angustiado..", por tentar civilizar o isso e ao mesmo tempo atender as exigências do supereu, que sabemos não é um requisitante de fácil diálogo e negociação. Cita Groddeck e Lacan, pois acrescenta ao "isso fala" lacaniano um pensamento; " ... o isso fala com a boca, a voz e as palavras do supereu, pois é realmente o supereu que grita para o eu as exigências do isso."(p. 78).

Já na identificação, um conceito aparentemente simples, mas em vários momentos mal compreendido, o autor percorre o caminho de distinguir identificação enquanto linguagem comum, que abarca a percepção de um objeto onde nos reconhecemos ou nos encontramos e chega ao conceito psicanalítico de identificação,, onde diferencia dois processos de identificação, o consciente e o inconsciente, pois no primeiro toma como o exemplo o menino que quer ser como o pai, imita-o, anda da mesma forma, seus trejeitos, mas apenas uma vontade consciente, porém no segundo processo, o menino tem " ...o desejo inconsciente de ser o outro(....) de apropriar-se dos sentimentos e fantasias inconscientes do outro." (p.82).

Para corroborar isso, Nasio cita o exemplo de um filho de agricultor que comunica ao pai a decisão de abandonar o campo, tornar-se marinheiro. O pai, então, muito triste, lembra-se que ele, na juventude, também teve esse desejo, de ligar-se ao mar, e nunca concretizou. Isso nos faz pensar em nossas escolhas, até onde o outro pode, efetivamente, nos constituir? O quanto realmente escolhemos? Como aliás, o autor pergunta, de que substância é feito o nosso eu? E emenda: " ...somos feitos de todas as marcas que deixam em nós os seres e as coisas que amamos fortemente agora ou que amamos fortemente no passado e as vezes perdemos." (p.84)

Por fim, Nasio lança luzes sobre um aspecto importante do referencial psicanalítico, a transferência com o analista, que chama de "... uma repetição bem particular: em lugar de rememorar o passado, o analisando o repete como uma experiência vivida, no presente do tratamento analítico, ignorando que se trata de uma repetição"(p.85). Enfatiza ainda que o analista deve ter uma grande habilidade e experiência no manejo dessas situações transferenciais , utilizando para isso seu próprio inconsciente, que, deve ser, segundo o autor, considerado como parte de um único inconsciente, o do analista e o do cliente. Essa tese, até certo ponto original, mostra que Nasio possui de um estilo próprio, livre o suficiente para criar hipóteses, como essa do inconsciente único, mesmo que isso possa, eventualmente representar algum custo ou risco à sua imagem de psicanalista. Ora, o que é um psicanalista sem um estilo próprio, que nunca arrisca? É possível criar algo novo em Psicanálise?

O livro é concluído com alguns excertos da obra freudiana, que auxilia o leitor a compreender alguns momentos cruciais do percurso de Freud, além de uma rápida biografia, com destaque para as diversas descobertas (da transferência, do inconsciente como um sistema, da castração, ...etc.) Esse livro pode, facilmente, ser indicado para alunos de graduação de cursos de Psicologia, pois além de oferecer um panorama do percurso freudiano, também aponta para a importância da maneira apaixonada como Nasio o concebe, citando Freud como uma referência, mas ao mesmo tempo deixando marcas visíveis de sua individualidade, quer seja como pesquisador, quer seja como psicanalista. Constantemente a palavra prazer é citada e, inegavelmente, ela vem a mente quando nos envolvemos com a leitura desse livro, Nasio decididamente desperta prazer em seus leitores, e isso é algo vital nos dias atuais, com a grande produção teórica que é ofertada, deixando em alguns momentos a sensação de que nada novo e instigante possa vir a ser publicado. Existem exceções...

Ver la sección libros de PsicoMundo

Para enviar a agenda de atividades de sua editorial,
ou qualquer outro tipo de informação, escreva a
brasil@psicomundo.com

PsicoMundo - La red psi en Internet