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Revista Pulsional

Año XV - Número 154 - Fevereiro 2002

Violência Juvenil e Outros Trabalhos

SUMÁRIO

Editorial (Editorial) 

Manoel Tosta Berlinck, Ipanema e a clínica psicanalítica, (Ipanema and the psychoanalytical clinic)

Artigos (Articles)

Maria Regina Faria do Amaral, Do ponto à linha, (From the point to the line)

José Luiz Caon, Celebração ou incineração do professor convencional e do aluno velho?(Celebration or incineration of the conventional teacher and the old student?)

Eduardo Rozenthal, O trabalho entre resistência e desistência: uma contribuição da psicanálise sobre o medo do trabalhador na empresa neoliberal, (Work, between resistence and giving up: a psychoanalytic contribution to the fear of workers in neoliberal companies)

Amadeu de Oliveira Weinmann, O conceito de desejo no “Projeto...” de Freud, (The concept of wish in Freud’s “A Project...”)

Clinicando (Clinical Practice)

Tatiana Lionço, Um exemplo de pesquisa sobre “pesquisa em psicanálise”, (An example of research on “research in psychoanalysis”)

Clínica do Social (Social Clinic)

Norma Takeuti, “Violência juvenil” e gozo, (The violence of youth and jouissance)

Panorama (Owerview)

Contardo Calligaris, Sem posse na rua, não há comunidade, (Without street possession, there is not community)

Pathos (Pathos)

Contardo Calligaris, A terapia do doutor Cinema, (The therapy of Dr. Cinema)

Livros em destaque (Outstanding Books)

Nina Reis Saroldi, Quem precisa de análise hoje?, (Who needs analysis today?)

Congressos, conferências e palestras   (Congresses, conferences and talks)

EDITORIAL
Ipanema e a clínica psicanalítica

Manoel Tosta Berlinck

Em 1948, o antropólogo Eduardo Galvão realizou uma pesquisa de campo numa pequena comunidade do Baixo Amazonas. Este trabalho resultou num livro denominado Santos e visagens: um estudo da vida religiosa de Itá, Amazonas (São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1955) que se tornou um clássico da Antropologia brasileira. Nele, Eduardo Galvão descreve, de forma brilhante, a panema, crença que, por penetrar intimamente na vida do caboclo, é de particular importância para aquela comunidade.

Panema ou panemice é uma força mágica, não materializada, que à maneira do mana dos polinésios é capaz de infectar criaturas humanas, animais e objetos. Panema é, porém, um mana negativo. Não empresta força ou poder extraordinário; ao contrário, incapacita o objeto de sua ação. Segundo Galvão, o conceito de panema passou ao linguajar popular da Amazônia com o significado de incapacidade. Não se trata propriamente de infelicidade ocasional, má sorte, azar, mas de uma incapacidade de ação, cujas causas podem ser reconhecidas, evitadas e para as quais existem processos apropriados.

O campo semântico de panema, registrado em dicionários pesquisados por Galvão e, agora, por mim, não deixa de ser revelador.

Panema é palavra da língua tupi e quer dizer desdita, desgraça, malsucedido, mofino, imprestável, sem expediente, inútil, imbecil. Aplica-se principalmente àquele que tendo ido à caça ou à pesca nada colheu. O antônimo de panema é feliz, bem-sucedido, etc. e se escreve, em tupi, Ipanema.

Ora, aquilo que Galvão descreve e que os índios tupi denominam de panema possui uma longa e rica tradição na psicopatologia. Trata-se da inibição, ou seja, daquilo que, em princípio, não sofrem os ipanemenses.

Assim, já W. Griesinger, em meados do século XIX, tratando da melancolia, escreve: “Em muitos casos, depois de ficar num estado de mal-estar corporal e psíquico mais ou menos vago, e de tempo variável, freqüentemente acompanhado de mal humor hipocondríaco, de abatimento e de agitação, às vezes com sensação da eminência do perigo da loucura, o doente é progressivamente dominado por um estado de dor psíquica que persiste por si, e é cada vez mais reforçado por impressões psíquicas exteriores. Esta é a perturbação psíquica essencial da melancolia, e essa dor se constitui para o próprio doente num sentimento de profundo mal-estar psíquico, de incapacidade para a ação, repressão de todas as forças, de abatimento e tristeza, numa queda total de auto-estima” (in Antonio Quinet, Extravios do desejo: depressão e melancolia, Rio de Janeiro: Marca d’Água, 1999).

Essa mesma associação entre inibição e melancolia é, também, realizada por Emil Kraepelin (Emil Kraepelin, “Melancolia”, in Tratado de psiquiatria, 8a ed.).

Kraepelin é o primeiro psicopatólogo a realizar uma aproximação semântica entre depressão e melancolia quando descreve a denominada “melancolia simples”: “As formas mais leves do estado de depressão se caracterizam pelo aparecimento de uma inibição psíquica simples, sem transtornos sensoriais e sem idéias delirantes. O doente tem dificuldades para pensar e expressa este transtorno de todas as formas e maneiras. Não pode reunir suas idéias: estas se encontram paralisadas, não avançam mais.”

Freud, até, pelo menos, “Inibições, sintomas e angústia” (1926), estabelece uma distinção entre essas manifestações psíquicas, e não reconhece a vasta importância clínica da inibição, pois está interessado no recalque, no sintoma e na angústia. Diz ele: “A inibição tem uma relação especial com a função, não tendo necessariamente uma implicação patológica. Podemos muito bem denominar de inibição a uma restrição normal de uma função. Um sintoma, por outro lado, realmente denota a presença de algum processo patológico. Assim, uma inibição pode ser também um sintoma. O uso lingüístico, portanto, emprega a palavra inibição quando há uma simples redução de função, e sintoma quando uma função passou por alguma modificação inusitada ou quando uma nova manifestação surgiu desta. Muito amiúde parece ser assunto bem arbitrário, quer ressaltemos o lado positivo de um processo patológico, e chamemos o seu resultado de sintoma, quer ressaltemos seu lado negativo e intitulemos seu resultado de inibição. Mas tudo isso é realmente de pouco interesse e o problema conforme o enunciamos, não nos leva muito longe” (in “Inibições, sintomas e angústia”, ESB, Rio de Janeiro: Imago, vol. XX, p. 91).

Mais tarde, entretanto, em “Mal-estar na civilização” (1930), a questão da inibição adquire toda a sua importância psicopatológica.

Porém, é importante ressaltar que, depois de Freud, a literatura praticamente ignora a questão da inibição e suas conseqüências clínicas. Não há, na vasta e rica bibliografia psicanalítica, nenhum livro tratando, com destaque, dessa questão.

Graças, entretanto, à pesquisa que Marciela Henckel vem realizando no âmbito do Laboratório de Psicopatologia Fundamental do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo que, brevemente, resultará em importante dissertação de Mestrado, o tema da inibição é tratado de forma sistemática.

Aproximando a inibição da melancolia, a partir da reviravolta psicopatológica proposta por Freud, ao contrário do que ele inicialmente acreditava, a inibição deixa de ser manifestação pré-consciente e passa a ser resultante do conflito intrapsíquico entre a instância do superego e a do ego. A neurose narcísica, ao contrário da neurose resultante do conflito intrapsíquico entre as instâncias do id e do ego, não produz sintoma, mas inibição, panema, lançando o sujeito no mal-estar e no âmbito da impossibilidade funcional. A melancolia, Freud insiste, não é uma psicose, mas uma neurose narcísica manifestando-se como mal-estar, e por uma impossibilidade generalizada sem a correspondente manifestação de sintoma.

A inibição, no limite, pode levar à catatonia, mas não são formas graves de impossibilidade as que nos interessam e, sim, as formas mais “amenas”. Estas têm íntima relação com o processo de socialização, ou seja, a maneira institucionalizada de transmissão cultural, onde toda uma população pode se sentir impossibilitada de certas funções.

Nesta altura, é legítimo perguntar se o tratamento da inibição deve ocorrer da mesma forma como se trata o sintoma, ou seja, através da interpretação.

Como a inibição não é sintoma nem deve, como imaginava Freud, ser reduzida a um, o tratamento dessa impossibilidade generalizada afetando as funções solicita outro tipo de procedimento clínico ainda pouco explorado.

Sabemos, hoje, que o tratamento da inibição passa por uma clínica do social, onde as crenças são analisadas e reveladas, principalmente na sua capacidade de provocar impossibilidades.

De qualquer forma, estamos longe de dominar a clínica da inibição, especialmente porque, sendo extensa no âmbito do ego, fica muito difícil de ser percebida como imposta pela instância superegóica e pela cultura, como ocorre no caso de Itá.

Neste redondo ano de 2002, Pulsional Revista de Psicanálise comemora 15 anos de publicação mensal ininterrupta sendo, hoje, uma revista de reconhecida qualidade e de intensa característica pluralista. Quando iniciamos essa empreitada, psicanalistas nos advertiam ser impossível manter uma publicação de-formada. Nós, entretanto, sonhávamos com uma psicanálise onde a formação contivesse a possibilidade da de-formação, abrindo espaço para o inusitado, mesmo que exótico, miscigenado, brasileiro, enfim. Trilhamos esse caminho cientes de que estamos realizando um sonho difícil de ser sonhado e, mais ainda, com pouca inibição. E não nos cansamos de dizer que isso só é possível com a decisiva participação daqueles que contribuem ativamente para a realização deste sonho. Muito obrigado a todos e um 2002 ipanemense!

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