Investigación à Psicoanálisis

Trabajos de Investigación Clínica y de Inserción del Psicoanálisis en diversas Áreas Temáticas
Psicoanálisis <> Psicopedagogía

A clínica psicopedagógica :
o erro no processo de construção do conhecimento
como possibilidade de ressignificação da história de aprendizagem
1

Rita de Cássia Mercedes Brunelli Barroso Linkeis
Mestranda em Psicologia – Universidade São Marcos
Psicóloga pela USP
Psicopedagoga pela PUC/SP e pela Escuela Psicopedagogica de Buenos Aires
e-mail:
eduritalinkeis@uol.com.br

Vera Maria Saveria Pricoli
Pedagoga pela PUC/SP
Psicopedagoga pela PUC/SP e pela Escuela Psicopedagogica de Buenos Aires
e-mail:
veramariap@hotmail.com

A clínica psicopedagógica: o erro no processo de construção do conhecimento como possibilidade de ressignificação da história de aprendizagem

Resumo :

O presente trabalho pretende enfocar a contribuição da Psicanálise à Psicopedagogia no sentido de se entender o erro no processo de construção do conhecimento através da escuta e do acompanhamento deste, em um processo transferencial que vai sendo revelado pelos lapsos, pelos esquecimentos e pelos "brancos" referidos pelos sujeitos aprendentes. Através da relação com o outro (psicopedagogo) é possível se pensar na possibilidade de despertar novas trilhas, escutando a manifestação do sintoma como uma mensagem cifrada da própria história do sujeito aprendente e das suas produções. A Psicopedagogia clínica, sustentada na Psicanálise, oferece outros espaços para este sujeito buscar novas respostas e outras oportunidades de criação, fazendo um acordo com o inconsciente para que o sujeito aprendente possa se manifestar como um sujeito do desejo e um sujeito epistêmico.

Palavras - chave: construção do conhecimento, erro, sintoma, sujeito do desejo, singularidade

The clinical psicopedagogic: the error during the process of the construction of knowledge as a possibility of giving a new meaning to the process of learning

Abstract:

This study intends to focus on the contribuition of psychoanalysis to psychopedagogy in order to understand the error during the process of knowledge, through writing and its observation, in a transferential process twich will be revealed by lapses, forgetfulness and gaps referred by the one who is learning. Through the relationship with the other ( psychopedagogist) its is possible to think about the possibility to put aside new paths, hearing the manifestation of the symptom as a coded message of learner’s own history and his productions. Clinical psychopedagogy, based on psychoanalysis offers other spaces for this person to look after new answers, other oppotunities to create, making a deal with the unconscious in order to let this learning person, to show himself as a person with desires and na epistemic person.

Key word: construction of knowledge, error, sympton, person with desires, singularity.

 

Nossa atuação enquanto psicopedagogas clínicas coloca-nos em um movimento constante de re-pensar as queixas escolares trazidas pelos sujeitos aprendentes que nos chegam com uma demanda de atendimento . Seus discursos bem como o de seus familiares e o da escola onde estudam revelam questões da ordem do não aprender. Acolhendo estas demandas tomamos não apenas o discurso manifesto (consciente) mas passamos a escutar as "entrelinhas" deste, que nos remetem ao conteúdo latente (inconsciente). Assim, o sujeito aprendente é entendido como o sujeito epistêmico (do conhecimento) e também como o sujeito do desejo (inconsciente).

Para empreendermos este movimento de escutar o conteúdo latente buscamos na Psicanálise uma sustentação teórica que nos permita entender o erro no processo de construção do conhecimento como uma produção inconsciente tal qual os atos falhos , os lapsos , os sonhos . Para tanto vamos nos debruçar sobre o texto de Freud (1900) – A Interpretação dos Sonhos – buscando elementos para tecer esta escritura.

Assim como os sonhos , os sintomas nos revelam uma mensagem cifrada, como um disfarce, que clama por ser de-cifrado e que nos permite alcançar alguns fragmentos isolados da história do sujeito. O sintoma representa e constitui o sujeito naquilo que pode ser simbolizado. Assim sendo , não se pode "calar" o sintoma (desejo in consciente não reconhecido). É preciso abrir espaço para despi-lo do seu próprio disfarce.

Quando o sujeito realiza suas construções (escrita, leitura, desenho, gestos, sons, imitações , lapsos de linguagem...) vai revelando nestas representações algumas de-formações, distorções, alguns disfarces, substituindo algo diverso que está interceptado. Dito de outra forma, um desejo inconsciente não atendido e que ainda não pode ser percebido .

Assim como o sonho é o "pensamento que persiste", no sintoma também percebemos esta particularidade. Nesta substituição tem algo do recalcado (inconsciente) que aparece disfarçado, mantendo assim o vínculo que será um canal de conexão entre o primeiro (recalcado) e o segundo (substituído). Podemos lembrar, no entanto, que o recalcado é sempre ativo e não passivo. Sabemos que na análise há a possibilidade de resgatar o conteúdo perdido; entendemos que também no atendimento psicopedagógico é possível abrir espaço para que o sujeito fale dos seus esquecimentos, do que lhe escapa (trabalhos escolares, provas, conteúdos, os "brancos" referidos) .

Podemos perceber que à medida que acompanhamos a demanda de uma família e também a do sujeito que está em atendimento, podemos escutar o que é possível de ser revelado. Durante um processo psicopedagógico há a possibilidade de se fazer uma nova leitura do que está sendo revelado, pois durante os vínculos mantidos neste trabalho "algumas" resistências internas por parte do sujeito já não precisam ser tão encobertas permitindo que o conteúdo não revelado comece a emergir.

Alicia Fernández , em seu livro "Os idiomas do aprendente" nos coloca:

Os pensamentos involuntários parecem-nos que são substitutos do sintoma. O sintoma pretende ser máscara para cobrir a angústia , mas a máscara que utiliza é provida pela própria angústia, sendo assim, é uma máscara que ao mesmo tempo põe em cena algo dessa angústia que tenta encobri . Pretende cobrir, mas mostra. Cada sintoma significa-se singularmente. As significações que o constroem são próprias de cada um, embora em sua formação intervenham diferentes grupos pelos quais transitou cada sujeito em sua história , em especial o grupo familiar no qual o indivíduo foi gestado. (p.143)

Freud em "Psicologia dos Processos Oníricos" (1900) coloca que :

As associações superficiais substituem as profundas se a censura torna intransitáveis os caminhos normais de ligação. Podemos figurar-nos , a título de analogia , uma região montanhosa onde uma interrupção geral do tráfego (devido a inundações, por exemplo) bloqueou as estradas principais e mais importantes, mas onde as comunicações são ainda mantidas através de trilhas inconvenientes e íngremes , utilizadas normalmente apenas pelos caçadores (p.566).

O psicopedagogo é como este caçador que pode escutar o que o próprio sujeito vai revelando no seu sintoma no sentido de percorrê-lo nas suas trilhas mais íngremes e inconvenientes, diferente da professora, da família, da escola que muitas vezes ficam paralisados ou "atrapados" frente à trilha sem poder flexibilizar novos caminhos para ajudar o "sujeito aprendente" na construção do seu conhecimento. Tomamos o "sujeito aprendente" como um posicionamento subjetivo diante do mundo. Alicia Fernández, pensa –o como "aquela articulação que vai armando o sujeito cognoscente e o sujeito desejante sobre o organismo herdado, construindo um corpo sempre em intersecção com Outro (conhecimento,cultura) e com outros (pais, professores, meios de comunicação)". (2001, p.55)

Segundo Winnicott (1975) "o professor visa o enriquecimento, em contraste , o terapeuta interessa-se pelos próprios processos de crescimento da criança e pela remoção dos bloqueios do desenvolvimento que podem ter-se tornado evidentes" (p.74).

Percorrer as trilhas para o psicopedagogo na questão do sintoma traz a necessidade de se trabalhar com o vínculo "carcereiro-prisioneiro" , termo que tomamos emprestado de Alicia Fernández (2001) quando ela nos pontua que "para superar um sintoma como a enurese, não é necessário trabalhar com a função de micção. É suficiente trabalhar com o "carcereiro" ou seja, com as significações inconscientes". Ao trabalharmos este termo, pensamos que as trilhas secretas são estas significações inconscientes que devem ser percorridas num trabalho psicopedagógico, diferente da pedagogia ou mesmo de uma abordagem psicopedagógica que não escute o erro pelo seu avesso.

Desta forma, escutar o sintoma é acompanhar o movimento da pulsão, descobrindo onde ela está investida, pois esta é um significante que representa a história do sujeito em suas produções. Tomando-se assim a pulsão como sendo da ordem da produção de trabalho, pensamos que o sintoma é a forma do sujeito revelar o seu modo de funcionamento psíquico , que para cada sujeito é particular.

É percorrendo as "zonas fronteiriças" destas trilhas do psiquismo que o trabalho psicopedagógico pode abrir espaços para as lacunas que atravessam o processo de aprendizagem.

Na leitura que fizemos em "Psicologia dos Processos Oníricos" estabelecemos um outro paralelo. Assim como os sonhos, os sintomas também são atos psíquicos que trazem uma dose de satisfação; ele é o retorno do reprimido e este é proibido (incesto proibido).

Segundo Freud todo sintoma tem aquilo que se chama de benefício secundário. O benefício primário do problema de aprendizagem relaciona-se com o evitar a angústia que provoca o conhecer ou a responsabilidade que implica o pensar. Podem ir aparecendo outros benefícios , como secundários, por exemplo conseguir ser cuidado ou evitar fazer algo conflitivo. O benefício secundário do sintoma serve para mantê-lo. No caso dos sujeitos aprendentes o benefício secundário, em geral , também é para os outros além dela: o grupo familiar e o grupo social beneficiam-se com a existência do sintoma que a criança apresenta, mesmo que, por sua vez, sintam-se incomodados ou se queixem do sintoma, já que este é produzido e produz sofrimento.

O sintoma também se manifesta através de representações inconscientes, uma mensagem para algo que ainda não possa ser revelado. Pensamos que o sintoma não se materializará se o desejo não encontrar uma força motivadora que o represente e cujo objetivo é a satisfação de prazer e desejos. Segundo Freud (1900) o sintoma "não conhece outro objetivo que não seja a satisfação de desejos e não possui a seu comando outras forças que não sejam pulsões impregnadas de desejo" (p.548).

Tomamos ainda emprestadas as palavras de Freud quando nos revela que: "desejos inconscientes acham-se sempre em estado de alerta, prontos em qualquer ocasião para encontrar o caminho `a expressão quando surge uma oportunidade de se aliarem com um impulso (pulsão) do consciente e transferirem sua própria grande intensidade a intensidade menor do último" (p.589).

Temos aqui o processo de transferência trabalhado na relação ensinante/aprendente. Desta forma, como nos coloca Freud, o sintoma não apenas toma emprestado alguma coisa do inconsciente como também oferece-lhe algo de indispensável, ou seja, o ponto de ligação necessário a uma transferência, lançando mais luz para o "espaço entre". Espaço este que permite ao aprendente deslocar o recalcado, o reprimido através do uso da linguagem numa relação transferencial, ou seja, a relação de compromisso com o sintoma.

Winnicott refere-se ao "espaço entre" quando aborda a importância de se estabelecer uma "zona de brincar entre a mãe e o filho" referindo-se ao espaço transicional entre esta mãe e seu filho. Espaço onde não há um dono, ou seja, nenhum dos dois consegue chefiá-lo.

Assim, entre o psicopedagogo e o aprendente é preciso construir alguns destes espaços para dar oportunidade de criação, colocando-se os dois no jogo do saber e do conhecimento, onde poderiam pensar em algo mais. Aqui é o lugar para a apropriação e autoria.

Winnicott ainda enfatiza mais o processo do que o produto, não o significado, o conhecimento nos atos humanos, mas o movimento aberto às significações. Enfatiza sempre um movimento que se situa "entre" dois - entre duas instâncias, duas dimensões, dois pólos : "entre" o dito e o não dito , "entre " o pensar e o não pensar , "entre" o saber e o não saber, "entre" o revelar e o não revelar, "entre" a criação e a repetição (enquanto cópia do modelo), "entre " aprendente e ensinante.

Em Psicologia dos Processos Oníricos Freud diz que "um sonho é um despertar que começa" (p.613). Nós, psicopedagogas, pensamos que o sintoma é um "des-pertar" que começa .

O que des-perta o sintoma ?

Recorrendo ao Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (2001), encontramos que despert(ar) remete-se à espertar. Espertar vem do latim expertãre, de expertus-a-um; acordar , despertar, estimular. Partindo desta referência construimos :

Tomando-se o caráter do acordo, pensamos com Freud que "dessa maneira como todas as outras estruturas psíquicas da série da qual é membro (atos falhos, sonhos, sintoma) ele (Freud refere-se aos sonhos, e nós ao sintoma) constitui um acordo: fica a serviço de ambos os sistemas (inconsciente e pré-consciente), uma vez que satisfaz os dois desejos na ,medida em que são compatíveis um com o outro" (1900, p.617).

Freud nos coloca que os sonhos nos dão um conhecimento do passado porque se originam deste em todos os sentidos. Não obstante , a antiga crença de que os sonhos prevêem o futuro não é inteiramente desprovida de verdade. Retratando nossos desejos como realizados , os sonhos estão, afinal de contas , conduzindo-nos para o futuro. Mas este futuro, que representamos com o presente foi moldado por seu indestrutível desejo numa perfeita semelhança do passado .

Assim, entendemos que o sintoma nos fala acerca da história do sujeito, trazendo para o presente as marcas, os registros do passado e que podem, através do trabalho psicopedagógico, serem ressignificados para o futuro na proporção em que o sujeito puder fazer trocas. Pensamos então que o sintoma dentro de um trabalho psicopedagógico não deve ser eliminado mas acompanhado, escutado , buscando-se o sentido que o sujeito der em torno da mensagem do sintoma. Isto se torna possível quando se busca na Psicanálise uma sustentação que nos permite entender o erro no processo de aprendizagem como um sintoma , o qual estaria representando o sujeito aprendente .

Malta Campos (2001), citando Priszkulnik no que se refere às queixas escolares, coloca-nos que "quando a criança não consegue respostas , só pode interrogar através da produção de um sintoma, daquilo que é chamado comumente de problema de aprendizagem".

A aprendizagem, assim como a entendemos, não se processa somente pela via do conhecimento mas percorre o significante . Desta maneira, o sintoma na aprendizagem surge no lugar de algo que na impossibilidade de aparecer de outra forma encontra no aprender uma via de expressão. Acreditamos que refletir acerca do conceito de sintoma na clínica psicopedagógica é de fundamental importância e nos abre outros espaços para discutirmos acerca das queixas escolares.

Rita de Cássia Mercedes Brunelli Barroso Linkeis

Vera Maria Saveria Pricoli

Notas

1 Texto originalmente publicado na revista Psicopedagogia 19/59- 43-47- jul/2002

Referências Bibliográficas

FERNÁNDEZ, Alicia. Os idiomas do aprendente: análise das modalidades ensinantes com famílias ,escolas e meios de comunicação . Porto Alegre: Artmed , 2001

FREUD, Sigmund. Obras Completas. Ed. Standard Brasileira. Vol V (1900-1901).Rio de Janeiro:Imago .

MALTA CAMPOS, M.C.R. A contribuição da psicanálise para uma re-leitura das queixas escolares pôr parte dos educadores.Psicopedagogia , São Paulo,19(56): 4-10, Outubro.2001

WINNICOTT, D. W. O brincar & a realidade. Rio de Janeiro: Imago,1975


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