Política del Psicoanálisis

La crisis en la Internacional de los Foros del Campo Lacaniano

Notas sobre a Assimilação da
Psicanálise Lacaniana em São Paulo

Christian Ingo Lenz Dunker

Encontro dos Fóruns – São Paulo – Outubro de 1998

 

Reproduzo aqui o conteúdo de minha comunicação no Encontro dos Fóruns realizado no ano passado em São Paulo. Talvez este texto possa contribuir para que as pessoas que vem participando dos debates atuais sobre o Fórum em São Paulo agregem elementos para a compreensão de algumas epecificidades locais. Espero ainda que este muito resumido e interpretativo relato possa encontrar ressonãncias nas discussões que cercam a formação do Campo Lacaniano. Lembro que naquela ocasião as objeções e comentários me foram muito úteis. Talvez posamos voltar a agora.

1. Introdução

Parafraseando a conhecida expressão proverbial: "para inglês ver", cujo sentido crítico refere-se à disparidade entre o dito e o ato e cujo sentido expressivo toca à assimilação irônicamente imitativa da cultura intelectual brasileira, examinarei alguns aspectos da tradição lacaniana em São Paulo.

Iniciada como reação, crítica por um lado e conservadora por outro, à psicanálise anglo-saxônica, tal tradição mostrou-se incapaz de produzir vínculos associativos estáveis, gerindo suas divergências teóricas e institucionais de modo rudimentar e transformando seus empreendimentos coletivos em projetos de unificação, purificação e fechamento. A irrisória produção escrita e a fragmentação da interlocução conceitual nos informa ainda sobre uma comunidade que não se organiza em torno de questões compartilhadas e que teme sobretudo a expoliação do capital simbólico de seus participantes.

Tal operação processa-se sobre um consenso tácito de que a presença pública do discurso sobre a psicanálise é sobretudo um exercício estético de finalidade instrumental tendente à hegemonia. Um exercício para "francês ver", onde a raíz mesma do discurso está em outro lugar. O terrorismo semântico, prática que consiste em impugnar certos significantes e ao mesmo tempo imperiosamente exigir o uso de outros, desconhecendo seu contexto de uso e seu valor conceitual, é um exemplo dos dispositivos de silenciamento, autorização/desautorização e inibição necessários para garantir a filiação imaginária ao discurso ideológico sobre a psicanálise. As ligações institucionais paralelas, de cunho universitário, psiquiátrico ou psicológico ganham força neste contexto onde as vinculações associativas de ordem psicanalítica são recebidas virtualmente como um meio de ascenção social e profissional.

2. Os Fins e os Meios Associativos

As associações de praticantes da psicanálise, de orientação lacaniana, em São Paulo podem ser distribuídas segundo três modelos fundamentais: os grupos de estudo, os setores para-universitários e as instituições com propostas formativas. Esses três modelos enfatizam posições eticamente distintas acerca da transmissão da psicanálise.

Os grupos de estudo floreceram sob grande influência da psicanálise argentina em São Paulo. Fruto da imigração na década de 70, carregada de aspectos políticos em sua motivação e da por vezes precária condição de inserção profissional no Brasil, a psicanálise assim veiculada não deixava de mostrar aproximações com um fato de resistência cultural. Em outras palavras, a crítica das garantias do instituído, do perigo da subserviência intelectual e do coletivismo como forma de alienação refletia-se numa prática centrada na autonomia do agente desta transmissão. Os grupos de estudo eram uma extensão natural da prática clínica, fundamentais para a a disseminação de transferências necessárias para esta. Por outro lado este movimento introduzia em São Paulo um senso de responsabilidade e rigor para com a formação que inovava profundamente o sentido burocrático dos dispositivos vigentes até então. Produziam-se assim intensas relações de fidelidade e pessoalização da transmissão. Inversamente consolidavam-se mestrias e o valor da transmissão dependia essencialmente da genealogia a que se encontrava ligado o analisante. Com a penetração e ampliação dessa perspectiva em São Paulo começa a ganhar força um discurso que não apenas tomava por ilegítima qualquer ligação institucional como a entendia forçosamente suspeita.

Nesse contexto acompanhamos na década de 80 a aparição de diversas iniciativas que podemos chamar de para-universitárias com forte enraizamento na tradição lacaniana. Projetos editorias, cursos e eventos breves, inclusão em territórios de formação tradicionalmente ipeístas como o Sedes Sapientae, desenvolvimento de setores de pós-graduação e projetos de saúde mental onde a transmissão da psicanálise recolhia um certo espírito liberal e disciplinar novo para o momento. O caráter assistemático desses empreendimentos acentuava os meios da transmissão. Oferta de saberes e práticas que mantinham uma vinculação indireta e respeitosa com os caminhos individualmente escolhidos pelo praticante da psicanálise. Neste cenário começam a se formar redes de intercâmbio, relativamente informais, mas que permitiam uma circulação do discurso sobre a psicanálise de orientação lacaniana que acabou por primar pela descentralização. Ao mesmo tempo as vinculações dos envolvidos com as instituições não psicanalíticas permitiu uma certa paz no ambiente de disputa pela hegemonia da autoridade discursiva. Falamos de pessoas para quem o convívio com outras tradições de pensamento e com problemas clínicos e de transmissão heterodoxos fazia ceder ou relativizar a tentação de mestria universal. A ênfase nos meios trouxe consigo o deslocamento da fonte de poder do próprio agente da transmissão para os meios ou recursos disponíveis gerando uma cobiça instrumental que logo tornou-se uma nova fonte de problemas.

Paralelamente ao desenvolvimento desses dois modelos de transmissão encontramos em andamento um terceiro projeto que punha em primeiro plano não o agente, nem os meios mas os fins da transmissão da psicanálise. Por este motivo tal modelo não pode ser reduzido aos anteriores mas se apresenta como uma associação, instituição ou escola estritamente ligada a este objetivo. Essa teleologia da transmissão da psicanálise culminou no acirramento da importância dos textos institucionais de Lacan, como caminho central para a constituição de uma escola. A orientação para fins, com esta envergadura, implicava indiretamente a busca da solução final para a autorização pública dos analistas, o que se atesta pela sobrevalorização da questão do passe e do final de análise. Ora, a incompatibilidade deste projeto com certos pressupostos patentes do discurso até então vigente sobre a psicanálise acabou por transformar as iniciativas de associação em projetos suspeitos. Transferia-se o peso dos agentes de transmissão para o âmbito internacional e ao mesmo tempo combatia-se a multiplicidade de ofertas de transmissão em prol de uma formação unicista. Para contornar esta contradição gerou-se um discurso claramente denegatório, hegemonista e de sustentação estética. A autoridade passava a emanar do Outro representado pela instituição mas as finalidades emanavam das pessoas que se faziam porta vozes deste Outro. As vicissitudes institucionais eram eliminadas por decretos teoricistas, as tensões e contradições postergadas "em nome da causa analítica". Assim o projeto coletivo, efetivado especialmente na década de 90, gradualmente passou a ter menos força do que as vinculações individuais. Mas em que pese tais embaraços os ganhos em termos de intensificação dos intercâmbios nacionais e internacionais são inegáveis e parecem sobreviver a este momento.

A tradição lacaniana em São Paulo está portanto fortemente atravessada pela conjugação desses três modelos de transmissão. Alguns pontos são notáveis pelo contraste com outras comunidades de praticantes da psicanálise. Por exemplo: associação de psicanalistas tornou-se sinônimo de milerianismo, posto que o enraizamento de outras tradições lacanianas em São Paulo nunca chegou a gerar uma associação, pelos motivos atinenetes ao primeiro modelo de transmissão. Engajar-se em projetos coletivos está assim perigosamente próximo de oferecer-se para a expoliação do capital simbólico representado pela agregação de mais membros. Agregação cuja finalidade encontra-se fora de si mesma.

É neste quadro que se insere o Fórum de Psicanálise de São Paulo. Suas características são bastante inovadoras. Assimilando dentro de si pessoas com razoável percurso analítico e com trajetórias que passam indistintamente pelos três modelos acima apresentados o Fórum teve de lidar com diversas recusas constitutivas: recusa das mestrias sustentadas instrumentalmente, recusa da submissão incontinente a outras tradições e associações psicanalíticas, recusa da mercantilização do discurso sobre a psicanálise. A reunião de descontentes não gera por si só um projeto comum, o que é trivial.

No entanto, certas características da situação asim criada favoreceram a valorização de uma quarta possibilidade para um modelo de transmissão. Aquela que colocaria a ênfase na alteridade. Evito aqui propositalmente o uso das noções de outro e de Outro, dado o desgaste representado sobre estes conceitos quando aplicados fora das situações especificamente clínicas. Uma transmissão orientada pela alteridade responde a uma subversão da posição de objeto que os praticantes da psicanálise virtualmente deveriam suportar para levar a cabo sua participação nos diversos modelos de transmissão que verificamos em São Paulo. Inversamente constata-se neste projeto que o agente da transmissão não coincide com seu sujeito. É desta forma que os temas da multiplicidade, da diferença e da particularidade da tradição lacaniana em São Paulo dominaram os debates de constituição do Fórum.

Note-se que a reunião propiciada pelo Fórum em São Paulo é um fato inédito. Em função disso o interesse nas conexões e vinculações nacionais e internacionais foi atravessado pela consideração desse fato novo. O que não configura necessariamente uma posição de confronto ou de desenlaçamento em relação a este contexto, contexto que está na própria origem do Fórum em São Paulo. Os temores que dominam o projeto associativo podem ser reduzidos a três: neocolonização milleriana, desagregação do vetor escola e a reinstalação de mestrias incubadas. Cada um desses temores reflete-se em uma história possível do Fórum: movimento gerado por uma cessão da Escola Brasileira de Psicanálise, que põe em dúvida e se dispõe a pensar criticamente seus agentes, seus meios ou suas finalidades. A instalação de um setor denominado "ouvidoria", cuja função é exatamente comportar uma exterioridade interna a associação respondeu concretamente a esta preocupação com alteridade no plano do funcionamento. Outra incidência do mesmo princípio se dá na inversão do lugar propositivo das iniciativas de transmissão. Não mais o corpo constituído nas instâncias associativas mas os próprios participantes. A idéia de um ensino a seu próprio risco e desejo fica assim ampliada para todas as iniciativas do Fórum o que preserva parcialmente contra o uso instrumental dos meios de transmissão. Procura-se, desta maneira, colocar o princípio do gradus à frente do da hierarquia. O reconhecimento informal daquilo que ele comporta tem assim primazia sobre a hierarquia que em si deve ser tendente à própria dissolução.

O que tem tornado o desenvolvimento do Fórum em São Paulo, sob certos aspectos, mais lento do que o que se observa em outras localidades é exatamente esforço por fazer com o o próprio trabalho estabeleça as condições de seu prosseguimento. Evita-se assim quer o ideal institucional de perseverança e preservação de si mesmo quer o tarefismo finalista com o que se pode confundir a vetorização rumo a escola.

A constituição de uma associação de praticantes da psicanálise é semelhante a formação de um sintoma: compromisso entre desejos inconciliáveis, encobrimento de um impossível, ilusão de entendimento e ... resposta ao Outro. A história do movimento psicanalítico o mostra a exaustão. Nesta medida tal associação é recebida com um certo cinismo e sua estatura não deixa de estar rebaixada de saída. É neste lugar que talvez ela deva estar mesmo. Para São Paulo, que viveu sempre de tanta inibição, um pouco de sintoma será bem vindo.

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