Política del Psicoanálisis

El conflicto JAM-SPP

Guère d’école, guerre d’écoles
Jean Allouch
jallouch@noos.fr

Tradução de Mirian Giannella

No seu artigo «La grosse colère du gendre de Lacan [A grande cólera do genro de Lacan]» (Libération de 7 de setembro 2001) , Éric Favereau coloca a questão: «Como compreender este novo episódio da guerra entre lacanianos puros e freudianos resistentes? Questão tanto mais viva quanto parece haver aí muito barulho por pouca coisa, nem nada de novo: não é a primeira vez que ouvimos ou lemos, provinda de um membro da International Psychoanalytic Association (IPA) uma denúncia ultrajada da falta de seriedade dos lacanianos. Na sua Carta à opinião esclarecida Jacques-Alain Miller responde : «[…] a formação lacaniana, por ser menos formalista que a da Internacional, é por isso mais exigente», escreve ele. Fórmula à qual se pode subscrever, sobretudo se não se ignorar, como aliás os próprios membros desta Internacional dizem e escrevem preto no branco, que este conjunto de regras inaplicáveis e aliás inaplicadas supostas garantir a formação do psicanalista, vai freqüentemente em sentido contrário ao que consiste essencialmente essa formação, a saber a própria análise do futuro psicanalista.

O que está em jogo no atual debate encotra-se aí? Ou na conquista de um mercado? Mas essas apostas são permanentes (pelo menos desde 1963, data da separação do movimento lacaniano da IPA), lancinantes, e não se vê, se se tratasse só deles, que possam produzir vivacidade nem atualidade do presente confronto. Sem negligenciar estes registros, gostaria de tentar indicar que o caso é também, no subsolo, de doutrina, mesmo se este termo está hoje conotado mais pejorativamente. Pois é dela que depende as modalidades da formação.

Qualquer um que, uma única vez, terá submergido nas dolorosas delícias de uma cena familiar, criança sofreu a cólera de um pai, terá podido perceber que o lugar de uma briga não é necessariamente onde se aninha o motivo. Partamos da briga e tentemos desalojar o que está em jogo.

O artigo de Libé coloca no início o estatuto de Jacques-Alain Miller, «genro de Lacan». E a carta de Miller não desconhece a dimensão familiar do caso. Está, explicitamente, em questão ele como genro, mas também seu irmão, sua sogra, seus netos. A lista poderia ser mais longa, mas basta para que coloquemos a questão: o que a instância familiar vem fazer ao se tratar de conflitos entre escolas psicanalíticas? A priori, não se vê! Pode-se notar, entretanto, que esta incongruência não é uma especialidade lacaniana. Freud confiou a IPA a sua filha Anna, e Gilbert Diatkine, autor da recente patada contra os lacanianos ao qual Miller acaba de reagir, é ele mesmo filho de um psicanalista (se isto tem sentido), e se encontrava, há pouco, apreciado por este título por Miller. Acrescentemos que nestes últimos tempos os leitores de Libé e de outros jornais puderam medir até que ponto psicanalistas de todas as partes tomavam partido no debate sobre o casamento gay e lésbico ou sobre a possibilidade de gays e lésbicas educarem crianças, defendendo a figura a mais tradicional da família. Como se bom número de seus analisantes não tivessem sofrido!

A família, a ideologia familiar, pesa enormemente sobre a psicanálise, que nem sempre consegue se livrar realmente. Assim, Lacan, depois de ter dissolvido a Escola Freudiana que, com alguns outros, havia fundado, resolveu confiar a sua família a sobrevivência de seu ensino. Ele o fez, por falta de alunos, e não está excluído de creditar a constatação desta ausência de alunos dignos deste nome sem, no entanto, se inscrever na decisão que se seguiu. Esta decisão deixa-se identificar como a instalação de uma transmissão epiclérica2 ou, em termos hebreus, de um levirato. É a este título que um genro de Lacan toma o seu lugar na história do movimento lacaniano. Mas este lugar, segundo a lógica do levirato, tem um preço, anular-se a si mesmo, renunciar a fazer obra pessoal, ou, dito nos termos atuais de Jacques-Alain Miller, aqueles que tanto o chocaram num artigo do Canard enchaîné, «esconder-se». Um outro preço sendo o gel dos fundos familiares (aqui: o ensino de Lacan), que não pode ser recolocado em circulação senão com e pelos filhos que o genro dá ao seu sogro (daí a ausência, perfeitamente lógica mesmo se faz dar altos gritos, de uma versão crítica dos seminários e outros escritos de Lacan). Miller jogou perfeitamente o jogo. É tocante, emocionante, que ele sublinhe a data dos vinte anos da morte de Lacan, enquanto os lacanianos, esquecidos dessa morte, celebravam há pouco o aniversário de seu nascimento. «Quero, escreve ele nesta carta em que toma ato do vigésimo aniversário do falecimento de Lacan, ser o genro de Lacan para a eternidade, e que reduzam os trabalhos que consomem meus dias a ter-lhe dado uma descendência». Tal é de fato a exigência do levirato. Mas justamente, ei-lo hoje, livrando-se desta posição e função, dizendo: «Basta». Aquele que Lacan acolheu como um príncipe da universidade recebe a recusa, assinada M. Denis (que se leia!), de publicar seu direito de resposta como um beijo que o desperta: «M. Denis me tirou o último grão de aveia, estou morto. Eis que renasço, diferente do que era. O beijo da princesa, de um sapo, criou um príncipe encantado».

O acontecimento está aí. A rolha explodiu; uma empresa familiar cede. E a verdadeira batalha, aquela entre «lacanianos puros e freudianos resistentes», retorna, como deve, à ordem do dia. Que batalha? A que deve ter lugar, como bem teve lugar a vitória dos newtonianos sobre a física aristotélica (a França resistiu um século!), aquela que permanecia escondida pelo fato de um freudo-lacanismo dominando a cena analítica há vinte anos, a que opõe, ao pensamento essencialmente dualista de Freud (pensamento do conflito), ao pensamento fundamentalmente ternário de Lacan (seu paradigma simbólico imaginário real, a partir do qual eram tratados por ele e devem ser tratados por seus alunos o conjunto dos problemas que se colocam à psicanálise). Tal é o «contencioso histórico que faz divisão há quase cinqüenta anos» (Miller), exatamente desde 1953, momento em que Lacan inventa seu ternário. A psicanálise deve, neste ponto, determinar-se. Saudemos que Jacques-Alain Miller, doravante, tome parte neste combate.

Votre, Jean Allouch

jallouch@noos.fr

Psicanalista. Último livro publicado: Le sexe du maître, Paris, Exils, 2000.

Notas

1 Título intraduzível se se quiser manter o jogo de homofonia e sentido. Guère em francês tem o sentido de pouco, pouquíssimo, não muito. Assim ficaria Não muita escola, guerra de escolas. Preferi mantê-lo em francês para insistir no significante que está na ordem do dia: Guerra. Este texto foi publicado no Libération de 11/09/01 e o traduzo com a autorização do autor para divulga-lo em português. (N. da T.)

2 Na Grécia Antiga, a filha epiclérica, filha única sem ser herdeira, era acrescentada de alguma forma à herança. Se a filha epiclérica era casada, seus filhos eram considerados como filhos do avô materno e recebiam a sucessão. Se a filha epiclérica não era casada, o pai dispunha dela por testamento e adoção, para o filho e herdeiro, seu futuro genro. Na falta de testamento, a sucessão recai sobre o mais próximo parente que deve se casar com a moça. Em princípio, o herdeiro, se já é casado e a epiclérica se não tem filhos, devem divorciar. Na prática, o herdeiro é tido simplesmente em adotar a moça. O Levirato judeu é a obrigação da viúva se casar e procriar com o irmão do defunto para manter a patrilinearidade. (Pascale Camus-Walter, por e-mail). Allouch explica, também por e-mail, o que entende por transmissão epiclérica: O laço feito por Lacan, no momento da dissolução da EFP [Escola Freudiana de Paris] (mas isto remeteria a mais longe, antes de se cristalizar nesse momento), entre fracasso de escola e transmissão familiar parece-me dificilmente contestável historicamente. É este já um primeiro traço que faz pensar na transmissão epiclérica: a ausência de uma transmissão "normal" por falta de herdeiros (na ocasião aluno, a transmissão, se transmissão deve haver, tendo lugar eleito na escola), ao que vem responder a instalação de um dispositivo de exceção, mas que deve levar as coisas ao uso comum (dito de outro modo, à escola, se se trata bem de um ensino) depois de uma geração. Pude assim, convocando a transmissão epiclérica, dar corpo, consistência, à co-presença de certo número de outros traços aos quais estamos confrontados (especialmente o célebre "não contar para nada" ou ainda o "quando digo eu, meu eu é o de Lacan" de Jacques-Alain Miller, frases loucas se o são, mas que não estão mais referidas ao epicleriato), mas acolher neste lugar outros traços vindos em seguida a começar pela ausência de uma relação crítica a Lacan, o que é o mínimo que se pode esperar de um aluno.

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