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Número 3 - Octubre 2003
Anorexia: Uma patología narcísica?
Eliana Rigotto Lazzarini - Terezinha de Camargo Viana

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Resumo: O artigo diz respeito a anorexia e sua relação com o narcisismo. Discute a importância do forte apego da menina à sua mãe na anorexia e a dificuldade de se fazer o afastamento desta ligação para que seja possível elaborar a mudança do objeto de amor, da mãe para o pai, e as conseqüências mais imediatas, o prejuízo de se fazer satisfatoriamente a passagem de Narciso a Édipo.

Resumen: El artículo hace puntualizaciones acerca de la anorexia e su relación con el narcisismo. Hace la discussion acerca de la psicogénesis temprana de la relación madre-hija y de la impossibilidad de la hija de aceder a la posición del padre, de aceder al Edipo genitalizado y de hacer la pasaje de Narciso a Edipo.

Narcisismo– Anorexia– Adolescência – Relação objetal

 

Introdução

Temos observado, em nossa experiência clínica, que na anorexia a mãe ocupa um lugar de destaque e muitas vezes idealizado na vida da jovem anoréxica. Em contrapartida, a importância da figura paterna fica relativamente diminuída no campo objetal interno. Parece que se a cumplicidade e a sedução são atribuídas à mãe, ao pai são lançados pressupostos de ser considerado inapto para servir de modelo identificatório. O que observamos é que esta é uma mãe da qual a jovem anoréxica tem uma forte ligação de dependência e, como parece ocorrer, a conseqüência mais imediata é de que se os sentimentos, na sua maior parte ambivalentes (de amor e ódio) ligados a esta imago não puderem sair sob pena de rompimento do suposto equilíbrio psíquico, eles então são desviados para outros objetos (MacDougall, l983), que no caso específico da anorexia diz respeito ao alimento e à conduta alimentar.

A anorexia vista desta forma, pode ser considerada a expressão das dificuldades psíquicas das pacientes, mas pode ser também uma forma de proteção contra uma suposta ameaça de coesão do eu e a conseqüente manutenção da identidade. Em nosso modo de ver, a anoréxica estaria supostamente destinada a manter um tipo de relação com seu corpo e com os alimentos similar ao tipo de relação que mantém com suas relações objetais e aos outros aspectos de sua vida de modo geral. Seguindo este raciocínio poderíamos pensar que quando alega que deseja emagrecer como justificativa para não comer, quando alega não ter fome, quando desafia a ordem das necessidades é como se estivesse falando em alto e bom som a aqueles que estão à sua volta, os pais, e principalmente à mãe, que existe e que tem vontade própria. Subjacente então, a este modo de funcionamento, existiria um medo grande de se sentir invadida e ameaçada psiquicamente pela vontade do outro, daí que o ato de não comer seria o que a anoréxica, possivelmente, acreditaria ser aquilo que vai lhe permitir ser reconhecida como alguém que tem uma vontade própria.

A partir destas considerações iniciais vamos proceder a um percurso que nos permita pensar a respeito de certos determinantes, que a nosso ver podem estar na base da constituição do fenômeno.

Anorexia, adolescência e relações objetais

A adolescência é o momento de vida no qual se dá, prevalentemente, o aparecimento dos sintomas da anorexia. É próprio também, deste momento da adolescência, a abertura do espaço para a criação das condições para a possível oposição entre sujeito e objeto. Desta forma, as questões psíquicas inerentes à adolescência, tais como a problemática da identidade, da dependência, da identificação, da atuação, da imagem do corpo, se encontram, por assim dizer, nos fundamentos da anorexia, mas aí, de uma maneira particular e com destino diferente.

Os adolescentes, de maneira geral, experimentam a oposição sujeito/objeto e, na maior parte das vezes, se nutrem com ela, principalmente se beneficiando das relações com o objeto. Freud (1905) fala que na época da puberdade, além do estabelecimento da primazia das zonas genitais, no lado psíquico simultaneamente há a prevalência do encontro de um objeto. Ele diz que a aceitação da genitalidade na adolescência estaria ligada não só à elaboração do luto pela perda do corpo infantil, mas também à elaboração de todas as outras perdas dentre as quais a perda da relação infantil de dependência com os pais. Se, como diz Freud, os pais não procederem a um desligamento da criança desde a infância, na fase da adolescência a possibilidade de elaboração do luto, e o conseqüente encontro com o objeto, fica prejudicado. Por outro lado se o adolescente consegue elaborar este luto da perda de seu corpo de criança e de sua relação com os pais da infância as mudanças psicológicas, correlatas às mudanças corporais que se apresentam neste período, podem levá-lo a uma nova relação com o mundo e com seus pais, considerada satisfatória. Contudo, estas mudanças podem exigir do adolescente novas formas de convivência, que são muitas vezes vividas como invasão. Isto, em alguns casos, o leva a lançar mão de defesas contra este estado de coisas como, por exemplo, a necessidade de reter aspectos do mundo infantil que até então faziam parte de seu mundo. E como podemos observar parece ser este o caso na anorexia.

Daniel Lippe (l998) coloca que a reativação pulsional própria da adolescência obriga a rearranjos internos que vão conduzir à organização edípica genitalizada e definitiva, cuja elaboração vai estar calcada nos processos anteriores de separação/individuação. É nesta reativação da adolescência que o autor acredita estar situada a regressão vertiginosa que diversos autores evocaram a propósito de pacientes anoréxicas. Na anorexia, segundo Lippe, vai haver uma suspensão dos processos evolutivos que se manifestam no plano físico (cujo sintoma mais evidente é a amenorréia da anoréxica) e no plano psíquico com a " suspensão da temporalidade" e a "exacerbação da repetição" (l999, p.86).

Na anorexia então, parece persistir um certo antagonismo entre sujeito e objeto e, desta forma, aquilo que o sujeito mais necessita seria o que ele na realidade mais teme. Quando a anoréxica se recusa a comer, na verdade ela estaria se afastando do objeto, talvez e principalmente pelo medo de se sentir invadida e ameaçada por ele. Neste tipo de lógica, não se daria o encontro com o objeto, mas o afastamento do mesmo pelo temor que ele causa. E como conseqüência, a anoréxica por não conseguir experimentar satisfatoriamente a oposição sujeito/objeto e conseqüentemente se beneficiar com ela, estaria fadada a fracassar no percurso que a levaria ao Édipo genitalizado.

Jeammet (l999) mostra a forma do funcionamento psíquico da anoréxica quando coloca que a anoréxica é aquela que se apresenta numa "forma maciça de engajamento narcísico e numa má diferenciação sujeito/objeto" (l999, p.32). Para o autor, a tendência da anoréxica seria a de manter dois tipos de relação: ou uma relação intensa com o objeto, podendo se constituir quase que uma indiferenciação, ou uma atitude contrária de afastamento para não correr o risco de se misturar com o objeto. Jeammet coloca que isto é típico de etapas bem precoces do desenvolvimento, na qual a pessoa fica presa rigidamente num lado ou no outro, sem possibilidade de mediação. Observamos que é desta forma que a anoréxica se apresenta, isto é, se os contatos com o outro e suas relações objetais são pobre em contraposição seu mundo interior é rico, o que pode ser considerado característico de uma certa prevalência do investimento narcísico. Neste modo de funcionamento psíquico, o exterior, as pessoas, a comida e até seu corpo passam a ser vistos como atentatórios e, portanto, têm que ser afastados ou dominados. Na anorexia parece haver uma tentativa de salvaguardar o equilíbrio narcísico face à necessidade constante de se afastar daquilo que a pessoa considera uma forma de domínio sobre si.

André (l996), a propósito da articulação entre narcisismo e anorexia, considera a anorexia uma "patologia narcísica", na medida em que há, segundo ele, a impossibilidade de uma elaboração satisfatória do narcisismo nestas pacientes. De acordo com André, esta elaboração do narcisismo ocupa um lugar essencial no processo de separação/individuação da criança pequena em relação ao adulto.

Anorexia e sua relação com o narcisismo

Uma pergunta então se faz presente no sentido de entendermos o funcionamento psíquico da anoréxica qual seja, o que diferenciaria o desenvolvimento de um narcisismo satisfatório, com uma identidade bem constituída de um narcisismo patológico gerador deste estado de coisas? Podemos buscar as formulações para esta questão nos fundamentos freudianos sobre o narcisismo.

Freud (1905) vai descrever a maneira como o adulto, geralmente a mãe, lida com a criança. Diz ele que o bebê no início de sua vida é impulsionado para a busca de um objeto (mãe) que lhe proporcione a satisfação de suas necessidades essenciais tais como os cuidados com seu corpo, amparo, calor, amor e leite. Freud chama tais pulsões, de pulsões de auto-conservação, pois servem unicamente para a preservação da vida do recém nascido. Distingue estas das posteriores pulsões sexuais que aparecem num segundo momento e que se tornam independentes e se destinam a satisfazer os desejos libidinais. O seio, segundo Freud, é o recurso inicial de manutenção e preservação do indivíduo e proporciona prazer corporal na medida que provê o alimento, mas ao mesmo tempo se erotiza na sua própria capacidade de fonte de prazer. De acordo com Freud a experiência de sugar o seio materno obtendo com isto satisfação pela ingestão do leite e saciação da fome, foi a primeira e vital atividade da criança. Em princípio, diz ele, o prazer é nutricional, no sentido de que há uma função básica de satisfação da necessidade de alimento da criança e posteriormente há o desligamento da função nutricional passando para a função de satisfação sexual que passa a estar desligada da necessidade nutricional. Freud (1914) acrescenta que a criança encontra-se, em um primeiro momento, num estado inicial da libido em que imperam as pulsões auto-eróticas. Em seguida, diz Freud, algo deve ser acrescentado, uma nova ação psíquica, para provocar o narcisismo e para posteriormente surgir o corpo unificado. De acordo com Freud, isto se daria pela condição das figuras parentais, o outro, auxiliarem o bebê, isto é, ajudar a materializar para o bebê esta concepção.

Resumidamente, poderíamos colocar que nos primórdios da vida o que vai imperar para o bebê é a indiferenciação. A criança encontra-se, neste primeiro momento, num estado anterior ao do narcisismo primário, e só mais tarde irá se estruturar numa organização de relação com o objeto. Esta passagem se daria em etapas: num primeiro momento, não haveria a determinação de sujeito, nem de objeto, que seriam partes representantes de um mesmo "continuum" (Mezan, l997, p.363). Numa etapa seguinte, seria formada uma outra representação; a do próprio eu e a do seio/mãe como separados marcando o início da diferenciação sujeito/objeto. E esta condição seria possível por todos os fatores aludidos anteriormente, isto é, pela existência própria da mãe/seio, pela sua condição de facilitadora do processo, e pela sua presença, mesmo que muito incipiente, de objeto. Todo este processo teria como conseqüência a ruptura do continuum mãe/bebê, que é a base para a constituição da relação de objeto e o estabelecimento da individuação/diferenciação do bebê.

A possibilidade de ruptura deste continuum nos remete à segunda tópica freudiana na qual Freud pensa o eu como essencialmente corporal. Para Freud, há um sentimento de corpo que sustentaria a continuidade de cada um e seria a base para a constituição do si mesmo. Na sua célebre frase: "O eu é, primeiro e acima de tudo, um eu corporal: não é simplesmente uma entidade de superfície, mas é ele próprio, a projeção de uma superfície" (l923, p.40), Freud coloca em evidencia o papel fundamental do corpo na formação do eu.

Lacan numa releitura das concepções freudianas, destaca este aspecto referindo-se a este corpo como um corpo especular. Lacan (1998) considera a imagem especular fundadora do eu e vai mostrar como nesta etapa do desenvolvimento, há o encontro do corpo da criança com o corpo do Outro (a mãe que olha) sendo que, a imagem do outro vai lhe garantir a realidade de seu corpo inteiro e independente. Lacan mostra como a alegria da criança diante da aparição da imagem está ligada a uma identificação. O que nos parece importante destacar é que a imagem do espelho diz respeito à criança, mas diz respeito também ao investimento que o outro (o olhar da mãe) vai depositar nesta imagem. Lacan atribui muita importância à presença do outro que participaria assim da erotização da imagem da criança, dando-lhe seu aval. Nesta configuração o autor reconhece a função primordial do outro como sendo aquele que colocará em jogo a dialética do desejo. A criança reconhece então, segundo Lacan, no eu especular (investido pela libido materna) seu Eu ideal (objeto do narcisismo primário).

Voltando a nossa questão, sobre o que diferencia o desenvolvimento de um narcisismo satisfatório, com uma identidade bem constituída, de um narcisismo patológico podemos formular que para o estabelecimento de um narcisismo satisfatório, primeiramente haveria a necessidade de se fazer a passagem do estado de narcisismo primário para o estado de reconhecimento do outro como objeto, e que as figuras parentais são um importante na materialização deste processo. Acrescentamos ainda que a elaboração satisfatória do narcisismo estaria também calcada na elaboração e no reconhecimento, de que é impossível haver satisfação ou adaptação total a todas as demandas da criança como diz Freud, em Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental. De acordo com ele, se as necessidades internas do recém-nascido quando não satisfeitas a tempo ou, quando não satisfeitas da forma habitual ou enfim satisfeitas de forma alterada por razões diversas, geram uma espécie de desapontamento no bebê que é, por este, vivido muito intensamente daí que o psiquismo do bebê tende então a ter um re-direcionamento.E este re-direcionamento, diz Freud (1911), torna-se estruturante na medida em que o bebê deverá se adaptar as exigências da realidade além das suas próprias. Desta forma, a noção de narcisismo está diretamente relacionada com o advento da instância egóica, e nos remeteria a um eu unificado. No narcisismo patológico o eu, ao contrário, não encontraria condições de se enriquecer na relação de objeto voltando-se, portanto para si e se engrandecendo tornando-se um eu/centro do mundo, sem espaço para a entrada do outro, correndo o risco assim de adoecer, isto é, de romper o vínculo com a realidade, permanecendo fechado em si.

No que diz respeito à anorexia e sua relação com o narcisismo, o que nos chama a atenção é esse movimento de fechamento no corpo que o narcisismo patológico comporta e a função de proteção que daí advém, como diz Assoun, contra os ataques de que o eu quando em formação foi suscetível "(...) ataques externos conseqüências inevitáveis do estado de desamparo do bebê e, ataques internos pelos representantes da pulsão" (l996, p.136). Pensamos que a anoréxica em sua conduta ascética de fechamento do corpo estaria tentando uma forma de se proteger destes ataques internos e externos e para isto, ela estaria utilizando a própria estratégia de funcionamento narcísico, regredido, que consiste, segundo Bollas em " substituir o outro por algum objeto mais harmônico que irá sustentar a procura narcisista pela tranqüilidade" (2000, p.l7). Poderíamos pensar a partir daí que a estratégia anoréxica seria então, similar a estratégia narcísica de "procurar questões internas menos complexas e tentar levar uma vida relativamente livre daquilo que não se quer ou não se deseja" (2000, p.l7), uma vida mais ascética.

Parece que a anoréxica através de seu fechamento e esvaziamento estaria tentando se livrar da complexa e intrincada relação com o objeto e, para tanto, estaria utilizando a necessidade fisiológica com a finalidade de que esta tome o lugar dos objetos da realidade externa que se tornaram perigosos. Todos os seus investimentos ficariam assim polarizados para a necessidade, para o apetite, que se torna possível de controlar como um elemento também da realidade externa. Como diz Jeammet (l999), a anoréxica recorre a esta prática com a finalidade de desviar o campo da pulsão na medida em que há a possibilidade de apaziguar e controlar as pulsões pela utilização de um objeto novo considerado inócuo pelo sujeito e ao qual ele supõe estar em controle, no caso específico, o apetite. A vantagem, segundo ele, é de que o apetite pode ser dominado protegendo o indivíduo do risco de perder o controle do objeto.

Assim, através da sua relação com a comida a anoréxica vai expressar a forma de suas outras relações. Podemos dizer que a recusa a se alimentar representa um recolhimento narcísico e uma forma de substituir o objeto, numa tentativa de provar para si, através de sua atitude, que o objeto não lhe faz falta, uma vez que ela não necessita de nada, pois acredita ser mais forte do que suas necessidades. Nesta linha de raciocínio, a anorexia se colocaria então como defesa à intromissão, ou invasão do objeto, com a função de estabelecer um limite entre si e o outro.

Brusset (l999) coloca que o ideal de magreza e o ascetismo do corpo, na anorexia, tende a se especificar cada vez mais e se tornar mais coercitivo na medida em que se manifestam no corpo da anoréxica desejos primitivos de incorporação e identificação primária. Para ele, as violentas contradições que experimenta a anoréxica nas suas relações com o objeto, e consigo mesmo como objeto, não encontram saída possível nas elaborações psíquicas, daí que se dá a utilização da experiência corporal que é aquela que vai possibilitar a manutenção do controle. Esquematicamente, nos diz Brusset, a anoréxica faz voltar para o corpo aquilo que sofreu passivamente por parte dos pais e principalmente da mãe.

Na anorexia parece haver uma prevalência deste laço primário de ligação que une a menina à sua mãe e mesmo, muita dificuldade para o desfazimento deste laço em função de ser esta uma relação que comporta uma mistura ambivalente de amor e ódio, na qual a entrada do pai como objeto sexual fica impedida. A entrada do pai, no nosso entendimento, e nisto seguimos Assoun (l993), seria necessária para exercer a função normatizadora e delimitadora entre a filha e a mãe e possibilitar a necessária passagem de Narciso a Édipo.

O pai é freqüentemente descrito na anorexia como ausente, inexistente, distante e muitas vezes desqualificado. Bidaud coloca que de uma forma "elíptica, poderíamos dizer que, se para a mãe da histérica, os homens são porcos, para a mãe da anoréxica eles não servem para nada" (l998, p.89). Em concordância com o autor podemos dizer que a mãe da anoréxica se incumbe de passar para a filha seu próprio sentimento em relação ao pai, contribuindo para mantê-la afastada da presença deste que não tem lugar nesta relação. Conseqüentemente a função socializadora da presença do pai vai marcar profundamente a anoréxica pela sua ausência. Como diz Bidaud: "A inutilidade ou a impossibilidade do outro masculino está no coração da feminilidade anoréxica (...) a falência da sedução fundadora paterna torna, justamente impossível na anoréxica uma representação do ato sexual na puberdade como desejável. Ele não inspira um sentimento de repugnância histérica, o que marcaria sua ligação com uma fantasia, e sim uma impressão de estranheza" (l998, p. 89-90). Assoun (l993) coloca, que se a filha permanecer fixada no laço de ligação amorosa com a mãe, ela passaria a estar condenada a um amor sem desejo. E é isto, segundo o autor que a filha espera que o pai lhe garanta que "em troca de seu sacrifício do amor materno, com suas promessas impossíveis, um amor que se mantenha na linha, por estar escorado no desejo. É isso que a filha requer dele, e dificilmente se poderia exagerar a importância de encontrar um bom entendedor " (l993, p. IX).

Conclusão

Concluindo, parece então que a anorexia seria, desta forma, uma resposta fundada numa genitalidade feminina desesperançada que não pode ultrapassar a reativação pulsional da adolescência, isto é, a anoréxica poderia ser considerada aquela que não pode realizar satisfatoriamente a passagem de Narciso a Édipo, pela incapacidade de renunciar à mãe e de direcionar-se ao desejo do pai. Neste caso parece haver uma dupla conjunção de fatores na medida em que a ligação com a mãe teria a característica de um laço forte de apego e, na medida também, em que o pai não estaria disponível numa fantasia de sedução organizadora, pela sua própria característica de ser distante ou pela característica de ser objeto parcial da mãe.

A anoréxica diante da impossibilidade de fazer este percurso vai mostrar pelos seus sintomas o quanto ela tem necessidade de que seu desejo seja reconhecido, e reconhecido pela mãe, mesmo que para isto tenha que colocar em jogo o seu corpo até o limite do humano, até as vizinhanças da morte. Como diz Fendrick: "Os sintomas anoréxicos seriam a solução (defensiva) do sujeito para recuperar ou alcançar a via de seu desejo" (l998, p.01) e, acrescentamos, separado do desejo de sua mãe.

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