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Número 18 - Abril 2006

Geriatricultura: Uma nova realidade

B. Corte - J.B.A. Oliveira
beltrina@uol.com.br

Resumo

Já se tem bem firmado, e com resultados adequados a puericultura. Por que então, não utilizar um neologismo e falar em geriatricultura? Não necessariamente na instituição da especialidade, mas em seu perfil de ação.

O idoso necessita de acompanhamento rotineiro por vários motivos que resumidamente podem ser enquadrados em alterações típicas da idade, associação de doenças, imobilidade e necessidade de utilização conjunta de múltiplos fármacos.

Esta comunicação visa criar e disseminar a mentalidade da geriatricultura que seria um atendimento global ao idoso, assim como a puericultura faz com as crianças, visando sobretudo prevenção e/ou detecção precoce de doenças tipicamente surgidas nesta fase da vida.

Introdução

É rotineira a imediata associação entre velhice e doença, como se fosse sinônimo, o que não só é falso, como automatiza a correlação das queixas do idoso à ocorrência normal da idade. E ao se olhar o idoso com esses olhos, erros e retardo no diagnóstico ocorrerão e deixará de se praticar prevenção.

Já de início há que se considerar que é comum no idoso a ocorrência conjunta de várias doenças, físicas e/ou psíquicas, as quais normalmente vão se somando, em caráter crônico, ao longo das décadas: é a Hipertensão arterial essencial somada ao Diabetes Mellitus, somados a osteoartrose, osteoartrite, osteoporose, hipotireoidismo, depressão, demência... levando, invariavelmente, à necessidade do uso de múltiplos medicamentos.

Importante considerarmos que a variação da monoterapia merece uma análise criteriosa, para que se evitem os efeitos adversos, senão passaremos a acrescentar sempre um fármaco a mais para corrigir a alteração e assim sucessivamente.

Diante das particularidades dessa faixa etária, o ideal é ter um médico gerenciador dos cuidados (geriatra ou clínico geral) que fará, quando necessário, a avaliação e a interdisciplinaridade com outros especialistas, visando sempre considerar o indivíduo como um todo, evitando analisar todas as queixas como vinculadas a um único problema, ou cada queixa vinculada a um problema isolado.

Essa prática racionaliza condutas terapêuticas e, sobretudo, a solicitação de exames complementares, pois se a cada queixa - não considerando esse global - for solicitado um exame, acaba-se criando uma sacola de exames (tão comum o paciente chegar com uma sacola repleta de exames; realmente são tantos que se precisa de uma sacola para levá-los), gerando custos por vezes desnecessários, ansiedade ao paciente e aos familiares e uma incapacidade técnica de diagnosticar e tratar.

É essencial voltarmos a nos basearmos na propedêutica clínica e entender que a anamnese é a "cola" que o paciente nos dá.

Uma boa anamnese é a base do atendimento médico a qualquer paciente, independente da faixa etária, pois ela é que norteia o caminho a ser seguido para que se estipule as hipóteses diagnósticas, sobre as quais será feito o diagnóstico diferencial e o tratamento para que se chegue à cura ou controle da desordem física ou psíquica.

Também através da anamnese podemos ter dicas do estilo de vida do paciente, hábitos, condições externas, as quais possam agravar ou perpetuar a desordem em questão. Pelo estilo do paciente também já podemos antever o cumprimento ou não do tratamento proposto.

A medicina não se baseia em achismo, mas em dados clínicos. É pela anamnese que se poderá utilizar corretamente os exames complementares, evitando aqueles desnecessários e onerosos.

É essencial entender que o idoso não tem uma doença, mas uma enfermidade, que representa algo mais amplo, envolvendo não só o aspecto de sinais e sintomas, mas o conjunto de reações individuais do paciente.

Sem a distinção entre doença e enfermidade, um sinal clínico fecha o rótulo em uma determinada doença ao idoso e a ele, então, são impostas restrições técnicas. Em se considerando a enfermidade se terá avaliação da necessidade e viabilidade destas restrições, dependente do impacto físico e emocional no idoso, o que diretamente reflete na sua qualidade de vida e conseqüentemente na sua aderência ao tratamento.

Na atualidade, o cuidado ideal é o conhecimento científico sobre as doenças, mas, sobretudo, o manuseio desta – é aí que se situa a arte médica. Citando Delp & Manning (1989): 1

"precisa-se da ciência do conhecimento da doença e a arte do manuseio da enfermidade. Ao fazer um diagnóstico e analisando os achados objetivos, enquanto o tempo passa, recorre-se ao conhecimento da doença. Ao decidir sobre o tratamento ter-se-á de pensar muito em termos de enfermidade e do impacto total que a aflição está exercendo sobre esse ser humano em particular e sobre aqueles que estão próximo a ele".

Ainda que no idoso, por vezes, possa ser necessário obter informações dos cuidadores e/ou familiares, é essencial que o máximo possível seja obtido do paciente. Importante se destacar, como assinalam Delp & Manning (1989):

"os aspectos emocionais e somáticos da enfermidade coexistem e podem estar correlacionados. Por isso, no decorrer do exame, observe cuidadosamente o comportamento e o aspecto do paciente, notando suas expressões, ansiedades, perplexidades e reações emocionais gerais. É importante prever o efeito de uma pergunta sobre o paciente e enunciá-la de modo que não amedronte ou perturbe de alguma forma".

A primeira barreira a ser quebrada quando falamos em Geriatricultura é a da associação velhice-doença, tão comum não só entre os leigos, mas entre os profissionais. Aqui já começamos a evidenciar a necessidade de conceitos gerontológicos.

Ainda que afirmemos que velhice-doença não são pares absolutos, não podemos nos esquecer que talvez seja essa uma afirmação baseada no sujeito e na sociedade idealizada, o que não é a realidade da grande parte da população do país.

Na realidade diária do atendimento médico no interior de São Paulo (Brasil), nos defrontamos com precariedades sócio-econômicas, assim como do sistema de saúde, o que inviabiliza a realização de práticas médicas ideais à boa saúde em níveis condizentes com as necessidades da população. No mundo moderno, com alta capacitação técnica, esbarramos e somos limitados por precariedades sócio-econômicas dos pacientes.

Observamos que para uma grande parcela, considerando os de menor nível sócio-econômico-educacional, velhice e doença são pares absolutos sim, já que a velhice é a fase em que o corpo mais sente as dificuldades e percalços da vida.

Talvez precisemos parar, sair do academicismo e nos perguntarmos: não havendo recursos, política de saúde pública, diante de o baixo poder aquisitivo da população, do alto preço dos medicamentos, da não distribuição ideal de medicamentos, da falta de saneamento, apesar do déficit educacional, será que realmente não é uma verdade o paradigma velhice-doença?

Na análise inicial do paciente idoso, o primeiro fator a considerarmos é que a história clínica é particular e mais complexa nesta faixa etária. Também não podemos deixar de considerar que além de toda peculiaridade da faixa etária há também a necessidade da visão interdisciplinar, já que a associação de doenças é tão comum no idoso, muitas das quais precisam ser tratadas por outros profissionais que não o médico.

Durante muito tempo falou-se em multidisciplinaridade. Atualmente fala-se em interdisciplinaridade, que representa uma relação mais integrada – são vários olhares profissionais, com a mesma visão, sobre um paciente, buscando interação entre ciência, doença e valores humanitários.

Em todo este contexto, realmente a interdisciplinaridade vai se firmando, principalmente para que evitemos iatrogenias. Segundo Guimarães (2004) 2:

"os anciãos incluem-se entre aqueles que maiores complicações apresentam em decorrência da sempre bem intencionada ação dos médicos"... [Ainda segundo ele] "o maior dos exemplos da iatrogenia decorre do uso de medicamentos ou imposições dietéticas absurdas".

Ainda que devamos guardar as devidas proporções, talvez o ideal fosse voltar ao modelo de tempos antigos e retomar a figura do médico de família; aquele que atendia o paciente de forma global e por toda a vida. Precisamos retomar essa essência de trabalhar saúde e não doença, já que a evolução da medicina nos levou a um tecnicismo que tem acabado por se esquecer do humanismo, pares indissolúveis num atendimento ideal e digno.

O cuidado ao idoso deve ser realizado, conforme cita Werner (1977),3 com a convicção que:

  1. Os cuidados de saúde não são apenas direto, mas responsabilidade de cada um.
  2. A auto-ajuda bem orientada deve ser o objetivo principal de qualquer programa ou atividade no campo da saúde.
  3. O homem comum que recebe instrução clara e simples consegue prevenir e tratar a maioria dos problemas cotidianos de saúde em sua própria casa – mais cedo e de forma mais econômica.
  4. Os conhecimentos médicos não devem constituir segredo, mas precisam ser livremente acessíveis a todos.
  5. As pessoas com pouca educação formal merecem tanta confiança quanto àqueles que são muito instruídos. E são igualmente inteligentes.
  6. Os cuidados básicos de saúde não devem ser prestados de forma unidirecional, mas a população deve ser incentivada a participar ativamente.

Como qualquer outra faixa etária, a população idosa deve ser cuidada. Porém, havemos de considerar suas particularidades, por todos os fatores já evidenciados e também pelo impacto que uma alteração na saúde do idoso provoca na família, além de constituir-se como um problema de saúde pública.

A proposta não é criar um novo nome ou uma nova especialidade médica, mas que os profissionais que atendam os idosos se voltem para essa metodologia de atendê-los num sentido amplo, considerando os aspectos físicos, psicológicos, sociais, conjunto esse que obrigatoriamente exige multiprofissionais, os quais devem agir interdisciplinarmente.

Práticas conscientes favorecem pacientes individuais, melhoram ou atenuam o impacto nos familiares, oneram menos o Estado e dignificam a profissão de todos aqueles profissionais que visam tratar da saúde do idoso nesse espírito primordial de prevenção.

Notas

1 DELP, M.H.; MANNING, R.T. Exame clínico. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1989.

2 GUIMARÃES, R. M.; CUNHA, U. G. Sinais e sintomas em geriatria. São Paulo, Atheneu, 2004.

3 WERNER, D. Onde não há médico. Manual para aqueles que vivem e trabalham no campo. Traduzido do original inglês Where there is no doctor. São Paulo, Paulinas, 1977.

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